domingo, 29 de novembro de 2009

Não basta ser uma boa empresa para trabalhar

Desde que Robert Levering e Milton Moskowitz publicaram o livro ‘100 Best companies to work for in America’ em 1984, organizações no mundo inteiro têm investido pesadamente na criação de bons ambientes de trabalho como forma de atrair os melhores talentos do mercado. Os departamentos de RH encabeçaram estes esforços, e o respaldo a estas práticas vem de estudos estatísticos que comprovam que as empresas que investem no seu clima organizacional relatam melhorias nos indicadores financeiros de desempenho, como Retorno sobre Ativos e lucratividade.

A lógica do benefício mútuo ficou assim estabelecida: Nós (organização) oferecemos um bom ambiente de trabalho para que, em troca, você (funcionário) procure desempenhar bem o seu trabalho. Por um bom tempo esta equação funcionou muito bem, mas recentemente novas demandas e contextos organizacionais vêm provocando turbulências neste equilíbrio. Diante do imperativo da inovação, as lideranças exigem que seus colaboradores não se limitem a fazer bem o seu trabalho, mas se sintam estimulados a ir além de sua descrição de cargo para gerar mudanças que estabeleçam novos paradigmas de desempenho, que não sejam apenas competentes no que fazem, mas estejam dispostos a correr riscos para fazer a diferença, que não sejam apenas avaliados por seus resultados, mas por tentativas de promover mudanças positivas para o negócio, que não se limitem às suas funções, mas atuem em qualquer atividade que possam agregar valor, que não obedecem ordens passivamente, mas as questionam e ousam desafiar aquelas que contrariam a lógica. As organizações buscam, enfim, pessoas com perfil empreendedor.

Este artigo traz alguns dos resultados da minha tese de doutorado que procura responder a seguinte pergunta: Investir em intra-empreendedorismo traz mais resultados do que investir em clima organizacional? Para responder esta questão, utilizei a base de dados da maior pesquisa de clima no Brasil, as Melhores Empresas para Trabalhar, realizado há mais de 10 anos pela Revista Você S/A em parceria com a FIA (Fundação Instituto de Administração), que na edição de 2008 incluiu na pesquisa perguntas para identificar as empresas que propiciam as melhores condições para o surgimento do intra-empreendedor. Os resultados desta pesquisa estão relatados a seguir:

1) Os mais velhos tendem a ser mais empreendedores do que os mais jovens:


Na medida em que os funcionários adquirem experiência eles se sentem mais à vontade ou predispostos a assumir iniciativas de natureza empreendedora. Verificamos também que os mais jovens (menos de 25 anos) tendem a ser mais empreendedores do que aqueles que têm entre 26 e 30 anos. Isto pode ser explicado com a consideração de que normalmente este perfil está mais próximo do início de carreira e estão mais predispostos a assumir riscos ao mesmo tempo em que estão menos sensíveis às práticas institucionalizadas das organizações. Além disso, como veremos mais à frente, pessoas com cargos mais altos têm mais poder para realizar suas idéias. Como existe uma alta correlação entre idade e nível hierárquico, podemos inferir que a idade maior, embora seja mais avessa a riscos em função da carga de responsabilidade maior, tem mais poder e autonomia para implementar as inovações necessárias.

• Os mais antigos e os mais jovens de casa tendem a ser mais empreendedores:

Podemos notar que o comportamento com relação ao tempo de casa é muito semelhante ao de idade do funcionário, mas nesse caso, aqueles que têm dois ou menos anos de casa são mais propensos a agir de forma empreendedora do que aqueles que têm até 10 anos de casa. Este fato pode ser justificado pela maior capacidade do novo funcionário, independentemente de sua idade, de enxergar mais oportunidades de mudanças do que os que já estão integrados ao sistema. Pessoas de fora enxergam com mais facilidade as oportunidades de mudança, melhoria e inovação. Não estão ainda contaminados pelos paradigmas vigentes e podem identificar falhas onde os outros não vêem, até porque um dos fatores de geração de novas idéias é a diversidade do contexto no qual a pessoa está inserida. Neste caso, a experiência recente adquirida em empregos anteriores dá a base de comparação que facilita a percepção de oportunidades. O que impede as mudanças de acontecerem é justamente a falta de contexto, um paradoxo, pois muitas das idéias não são implementáveis porque no contexto vigente elas podem não ser tão relevantes ou pode não ser viável implantá-las. Na medida em que o funcionário vai conhecendo mais a fundo este contexto ele próprio tem condições de avaliar e validar suas idéias originais e filtrar aquelas que fazem sentido de fato. Por outro lado, ele também vai assumindo os paradigmas vigentes e invalidando suas próprias idéias por perder a capacidade de ver diferente dos demais. Mais uma vez, os que tem mais tempo de casa têm uma propensão maior a realizar mudanças, porque reduzem o fator incerteza no componente do risco, sendo-lhes mais fácil avaliar a situação e aumentar as chances de sucesso de suas inovações.

• Homens tendem a ser mais empreendedores do que as mulheres:
Este fato pode ser explicado de várias formas, sobretudo por questões culturais do posicionamento histórico do homem nas organizações, quando sempre lhe coube a maior parte das iniciativas e ao fato de que as posições de liderança, que detém mais poder e controle, estarem sendo ocupadas primordialmente por homens. Não há estudos que avaliem o grau de criatividade nas organizações segundo gênero e outras observações seriam necessárias para aferir estas diferenças.

• Funcionários nas posições mais altas na hierarquia tendem a ser mais empreendedores do que os demais:

Os níveis operacional e técnico, além do pouco poder de decisão, estão mais sujeitos a tarefas rotineiras e repetitivas, com pouco espaço para mudanças. O nível administrativo, por lidar com atividades ligadas de forma indireta ao negócio, tem menos chances de gerar inovações pertinentes à organização, embora tenham mais liberdade do que outros níveis operacionais. Dentre os cargos sem liderança, os vendedores demonstraram ter maior propensão ao empreendedorismo, o que também é esperado uma vez que estão ligados diretamente ao negócio, a resultados provenientes de ações junto ao mercado e normalmente com mais autonomia para a tomada de decisões neste nível. Dentre os cargos de liderança, observamos que quanto mais alta a posição na hierarquia, mais empreendedores são os funcionários que ocupam estas posições. Isto pode ser explicado pela relação direta com o poder de decisão, controle de recursos e maior responsabilidade pelo negócio.

• Funcionários com ensino fundamental são mais empreendedores do que os demais:

Poderíamos entender que a tendência natural é que, com maior grau de instrução, maior a tendência do funcionário se sentir mais seguro para tomar iniciativas empreendedoras. Esta relação seria perfeitamente justificável pela alta correlação existente entre as variáveis ‘nível de instrução’, ‘cargo’ e ‘faixa salarial’. No entanto, verificamos um alto índice de empreendedorismo entre funcionários que possuem até o ensino fundamental. Uma possível explicação para este fenômeno, aparentemente contraditório, é que estes funcionários, por deterem uma formação incompleta, não possuem os mesmos vícios dos demais funcionários, têm menos medo e tem uma percepção diferente dos riscos a que estão sujeitos. De qualquer forma, uma análise mais acurada com o auxílio de outras variáveis de controle seria necessária para explorar melhor este fenômeno.

Ao segmentarmos a análise por porte de empresa, notamos que as empresas de pequeno porte possuem um nível de intra-empreendedorismo melhor avaliado do que as demais empresas. As grandes empresas possuem um clima organizacional melhor avaliado do que empresas de médio porte, porém as de pequeno porte são melhor avaliadas do que as demais.

Por fim, a última análise que procedemos comparou os índices de clima organizacional e de intra-empreendedorismo com o desempenho financeiro destas empresas. Fizemos a comparação com o crescimento de faturamento destas empresas nos anos de 2005, 2006 e 2007, sempre em relação ao ano anterior.

A idéia era descobrir qual dos dois grupos de características melhor explicava o desempenho financeiro das organizações. O estudo estatístico agrupou as empresas que estivessem no mesmo setor de atuação e de portes similares e comparou os efeitos de cada um destes grupos no crescimento financeiro. Os resultados demonstraram que as empresas com melhor desempenho financeiro apresentavam o índice de intra-empreendedorismo proporcionalmente mais alto do que o índice de clima organizacional, o que nos levou à conclusão que cultivar um bom clima organizacional, embora necessário, não responde sozinho pela melhoria no desempenho das organizações, e que é necessário o investimento no desenvolvimento de características intra-empreendedoras, criando mecanismos para que os funcionários se sintam estimulados a reverter em maiores benefícios o bom clima organizacional que possuem para trabalhar. Tais benefícios envolvem o uso da autonomia para assumir alguns riscos calculados para implantar inovações pertinentes ao negócio e à empresa.

As implicações destes resultados ajudam a entender os mecanismos que levam as organizações a melhorar seu desempenho através de seus talentos intra-empreendedores. Promover uma cultura de inovação nas organizações tem sido o desejo manifestado não só por profissionais de RH, mas um discurso muito presente em reuniões de diretoria, de conselhos administrativos e de acionistas. O caminho para a prática é de desconhecimento da maioria destas empresas, simplesmente pela constatação que não existe fórmula pronta que possa ser replicada a partir de exemplos bem sucedidos.

Postado por Mauricio Belcavello

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